segunda-feira, 4 de julho de 2022

O CARTOMANTE OU PROSEADOR

 O Cartomante ou Proseador


Autora: Terezinha Malaquias

Voltei do ensaio da peça de teatro cantarolando felicidade que só eu ouvia. Desci no meu ponto de ônibus sozinha.
De repente na calçada estreita surgiu como que por encantamento um casal à minha frente.
Pensei e agi mais rápido ainda. Fui para a rua. Ela, ele e eu estávamos sem máscaras.
O homem me olhou e perguntou? Você tem medo do (corona) vírus? Somos saudáveis.
— Sem graça e com um pouco de vergonha falei: fui para a rua, porque a calçada é muito estreita para nós três.
Ele: “Eu vi o medo nos seus olhos”.
Minha vergonha cresceu, e perguntei: o senhor é cartomante?
Ele: “Sou sim, vejo tudo”.
Eu: Haha, então eu gostaria de saber quais são os números da (loto) para a próxima semana?
Ele: Sei, mas não vou contar, jovem senhora. Bom domingo e tchau!
Eu: Muito obrigada! Igualmente!
Ao entrar em no meu Lar, eu ainda tinha um sorriso feliz estampado  meu rosto.

quarta-feira, 18 de maio de 2022

SORVETE, BICICLETA, VERÃO NA PRIMAVERA E PORTUGUÊS

 SORVETE, BICICLETA, VERÃO NA PRIMAVERA E PORTUGUÊS

Autora: Terezinha Malaquias


Saí cedo de casa para ir a uma consulta com o meu ortopedista. Tenho ido com muita frequência no consultório dele. Além dos meus ombros, os meus joelhos têm doído muito nos últimos meses. Percebo a passagem do tempo chegando rápido demais. Não sei se gosto. Mas agora é assim.

Depois da consulta fui caminhando para o meu ateliê. No caminho vi muitas pessoas a pé ou de bicicleta. Um homem passou por mim na sua Bike cantarolando bem alto uma música italiana. Ele parecia feliz. Pensei: o calor dos 30 graus de hoje muda muito o meu humor. Talvez mude o dele também. Para melhor! Sou tropical e sinto muita falta do sol e do calor do Brasil, aqui em Freiburg. Na cidade que vim morar por amor ao homem que conheci no Brasil.

Um pouco depois das 14h voltei para casa e preparei muitos detalhes para a exposição que farei amanhã ao ar livre. No meio das gramas e das árvores. Estou ansiosamente feliz!
Às 20:35 saí novamente para ir ao atelier buscar algumas obras de arte e pegar o meu cavalete. Escolhi esse horário porque o ônibus e o bonde ficam mais vazios. Eu precisava de mais espaço e tranquilidade para transportar o meu trabalho.

Já na volta, o relógio da torre marcava 21h20 e ainda estava um pouco claro. Vejo muitas pessoas pedalando suas bicicletas. Passa um casal que parecia simpático. Ele empurra a bicicleta com uma mão. Na outra segura um sorvete que me deixou cheia de vontade. A mulher que estava com ele também tinha um sorvete numa das mãos. Conversavam e riam alegremente.

O bonde chegou e entrei com calma. Três pontos depois desci para pegar outro bonde ou um ônibus. No ponto, tive a sensação de que tinha ouvido alguém falar português de verdade. Muitas vezes penso que ouvi português, mas, na verdade, não é. Hoje no dia de verão na primavera, dia de sorvete e cantoria, era o meu português brasileiro acariciando os meus ouvidos e sensações. O melhor, era uma querida amiga que falava ao telefone o nosso idioma, mãe.
Um dia ensolarado, com o céu azul encerrava uma noite iluminada de paz pela luz do dia que ainda iluminava um pouco antes das 22h quando cheguei no meu Lar.

quinta-feira, 7 de abril de 2022

ERA ASSIM

Autora: Terezinha Malaquias

No fogão á lenha 
Mamãe preparava o nosso almoço
No domingo
Era especial
Tinha arroz 
Feijão bem temperado
Frango ensopado
Angú de milho verde
Salada de alface e tomate
A bebida era água natural
Que vinha diretamente da mina
Com gotinhas de limão amarelo
A sobremesa era goiabada com queijo minas
Das minhas Minas Gerais
Na minha terra natal
Frutal
Na casa onde nasci
O quintal era de terra batida
Nossa casa era toda cor de rosa
Todas as noites meus pais
 Se sentavam na calçada 
 Os amigos iam chegando
As comadres e os compadres também
As crianças brincavam seguras na rua
Ás vezes davam voltas no quarteirão
E os adultos sem nenhuma preocupação
Continuam a prosear
Sobre coisas simples, como o luar
A saudade é grande
Rasga meu coração




DELICADEZA

 DELICADEZA

Autora: Terezinha Malaquias.
20h09
Uma mulher caminha à margem do rio. Ela acabou de sair do seu trabalho. Usa roupas pretas e uma echarpe com tons azuis e verde. Botas de cor caramelo.
Uma chuva fina e gelada do mês de abril está caindo sobre o seu guarda chuva cor de rosa.
Ela está muito reflexiva sobre a vida e o momento atual. Mas está bem e feliz. Tem tanta luz que se pode ver da cabeça até seus pés que caminham firmes.
Uma moça bem jovem passa pela mulher. Caminha em direção contrária. Tem a cabeça baixa e parece carregar uma tristeza pesada pelo corpo todo.
20h21
A mulher abre a porta do seu prédio (que não tem porteiro). Sobe até o quarto andar pelo elevador.
20h23
Abre a porta do seu Lar. O marido ainda está preparando aulas para a manhã seguinte. Ele começa a trabalhar bem cedo.
Ela vai para a cozinha terminar de fazer o jantar feito a quatro mãos hoje.
Enquanto a comida termina de se fazer sozinha no forno, ela senta para escrever. Tem essa mania de escrever tudo e sempre. Tem gente que pensa que ela é meio doída da cabeça. Nasceu com desejo a arte e da escrita. Vê beleza e poesia onde ninguém vê.
Às 21h10
O despertador toca avisando que a comida está pronta. O marido pergunta:" Amor quer que eu faça o seu prato"? Ela responde:"Ja"/sim meu amor"!
21h15
O marido traz o prato feito. Ela agradece o pão de cada dia e a delicadeza!






segunda-feira, 21 de março de 2022

COSTURA DA SAUDADE



Na mesa de trabalho, há um lindo guardanapo feito de retalhos coloridos, que eu ganhei de uma amiga, na última vez que estive em São Paulo. A amada professora Kazuyo. Sobre ele estão duas fatias de pão integral com manteiga, uma fatia de queijo amarelo e uma xícara de café com leite de aveia, sem açúcar. 

O que nós não vemos é a saudade contida nesse simples café da manhã recheado de lembranças, a memória interna que dança no coração da nostalgia. O guardanapo foi escolhido com delicadeza e propósito porque hoje, mais do que ontem, a saudade grita dentro do meu corpo inteiro, ela berra em meu ser. Neste pano, pedaços de histórias são unidos com as linhas do amor e do afeto. 

A lembrança da costura da minha mãe, assim como ela, segue eternizada em mim. Nos tempos mais difíceis, mamãe fazia as nossas roupas à mão: blusas, vestidos, calças, camisas, saias... 

O pão era feito em casa, no forno à lenha. Em tempos melhores, as roupas eram costuradas à máquina. Depois começamos a adquiri-las em lojas, muitas vezes à prestação. Os pães passaram a ser comprados.

 São Paulo sempre teve inúmeras padarias, perfumadas de sabores. Os seus cheiros povoam os meus sentidos, sensações e sentimentos que me acompanham desde o comecinho da minha adolescência até hoje. Sim, eu ainda sinto os seus aromas impregnados em mim.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

ELA ESPERANÇOU

Da janela da cozinha ela olhava lá fora. Via o vazio que havia entre o vento e as árvores sem folhas. Era inverno e as folhas sempre caem já no outono.
O olhar dela caminhou lento e quase sem energia, acompanhando um pequeno movimento que tinha numa árvore ainda úmida da neblina da última noite.
Era um minúsculo pássaro azul e verde que voava miúdo. Do olhar da mulher de quarenta anos felizes antes, reascendeu um brilho.
Ela esperançou novamente. Desistiu de morrer.
Terezinha Malaquias
@terezinhamalaquias


 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

DO JEITO DA GENTE - Resenha



 RESENHA

Por Elen Arcangelo

“Do jeito da gente”, de Terezinha Malaquias, é a perfeita junção de uma obra infantil,
lúdica e também muito consciente. A história é narrada em primeira pessoa por Alice, uma
adorável garota de dez anos que vive em São Paulo com seus pais e sua irmãzinha Thaís, que
nos conta um pouco do seu cotidiano: seu dia-a-dia na escola, seus passeios favoritos e a
convivência com a sua família. Por ter uma criança como narradora, o livro ganha um nível de
personalidade muito forte e aumenta a conexão dos(as) pequenos(as) com a obra, como se
tivessem ganhado uma nova amiga, ao mesmo tempo, a linguagem simples e descontraída
torna a leitura agradável e acessível para todos(as). Num complemento perfeito e
acrescentando charme e delicadeza, a obra é permeada por lindas ilustrações aquareladas:
tanto a Alice quanto seus mais diversos colegas, sua família e seus lugares prediletos são
representados de maneira bela e alegre.
O ponto mais interessante do livro são as análises e percepções da Alice sobre o
mundo que a cerca, como quando ela diz que cada coleguinha é diferente (baixos ou altos,
com cabelos compridos ou curtos, olhos verdes ou castanhos...), mas que, na verdade, todos
somos iguais. Esse é o tipo de situação com a qual toda a criança irá se deparar, e a conclusão
da Alice é uma ótima introdução para abordar temas como o respeito, a inclusão e a
igualdade, que são cruciais para a formação de pessoas solidárias e empáticas.
O livro dá uma forte base para que as crianças possam pensar sobre o tema a partir
de suas próprias vivências. Por isso, ao final, os leitores são convidados a contar suas
experiências nas páginas como uma conversa entre a Alice e seus colegas. É muito importante
ressaltar que o livro também trata sobre o bullying e promove a valorização das crianças
através de suas próprias características, como por exemplo o cabelo cacheado dos negros. A
representatividade, portanto, não é um conceito que passa batido pela leitura, mas somos
contemplados com trechos que exaltam a importância da nossa auto-estima.
O fato do livro ser bilíngue, porém ter um discurso bastante simples, torna-o muito
útil como uma ferramenta para apresentar uma nova língua às crianças. A comparação entre
um idioma e outro pode ser feita de maneira muito clara e por isso, a obra é uma excelente
facilitadora na compreensão do texto em língua estrangeira.
Por fim, “Do jeito da gente” é uma obra multifacetada que nos dá base para abordar
diversos assuntos com os(as) meninos(as) e por isso é altamente recomendada para quem
procura literatura infantil de qualidade.

Autora: Terezinha Malaquias
Ilustrações: Sandra Sampaio Rodrigue
Olimalabo Verlag Editora
Ano da publicação: 2021
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